"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O que eu sou, o que querem que eu seja, o que eu já fui


Acho que se posso dizer de algo realmente útil quanto a mim mesma que aprendi nesses dois últimos anos foi a me aceitar. Não completamente, óbvio. Na verdade acho que nem existe isso, se aceitar plenamente e toda essa baboseira, acho que aceitação é algo como um processo interminável. De qualquer jeito, imagino que falo por todos aqueles que de alguma forma não se encaixam no padrão de normalidade determinado pela sociedade quando digo que existem poucas coisas tão difíceis quanto olhar para seu reflexo no espelho e gostar do que vê, seja esse espelho real ou não. É muito difícil não se esconder atrás de roupas largas, cabelo comprido e uma personalidade passiva, tímida e anti-social. É assustador não ser o que seus pais sempre sonharam ou o que se pensa sobre você. Existe uma pressão enorme camuflada em todos os ambientes onde você pisa, uma pressão para que você pareça sempre feliz, seja comunicativo com todos, simpático com todos, seja magro, bonito, educado, se vista "bem", pareça inteligente, tenha confiança, seja engraçado, se sinta sempre bem, seja sempre o mesmo. Escondido mais profundamente nessa casca de politicamente correto, esse discurso de que você só precisa ser "você mesmo", existe a expectativa de que você seja heterossexual, a qual eu vou me focar um pouco mais aqui.

Ninguém espera que você seja gay, ninguém. A não ser que você já deixe isso bem claro desde sempre, mas se você agir como uma pessoa "normal", se você se vestir como uma pessoa "normal" e se comportar do mesmo jeito, ninguém vai desconfiar de que você não seja "normal". Podemos seguir o mesmo raciocínio quanto a doenças, ninguém espera que alguém seja doente se não apresentar nenhum "sintoma". Dessa forma, existe uma pressão enorme em cima dos homossexuais que permanecem no armário, se você não parece ser, você não é. Quando eu tive certeza quanto minha sexualidade, a pouquíssimo tempo para falar a verdade, foi também quando eu saí do armário, foi um turbilhão de acontecimentos descontrolados e minha felicidade era tamanha que eu nem me importei em esconder das pessoas a minha volta minha descoberta, eu não pensei em nenhum momento o que isso poderia me trazer de consequências ruins, também não pensei nas pessoas a minha volta, não pensei em nada, e para ser sincera fico feliz de não ter racionalizado em momento algum. Por alguns meses eu quase que perdi todos meus amigos, ninguém esperava que eu fosse gay, ninguém aceitou me ver de mãos dadas com outra garota, perdi as contas de quantas vezes ouvi que estava sendo idiota, que minha namorada estava me manipulando, que eu não estava sendo "eu mesma", que eu iria me arrepender, e tantas outras coisas. As pessoas não conseguiam sentir a alegria que eu sentia, foi um enorme passo esse que eu dei, meu mundo, que sempre esteve de ponta-cabeça, foi realmente desvirado. Pela primeira vez na minha vida eu consegui me entender, eu consegui olhar para o espelho e entender o que eu via e mais do que isso... Gostar do que via.

Acho que eu sempre senti tanta pressões ao longo da vida, acho que eu fui TANTO o que se esperava de mim, que quando finalmente consegui quebrar uma corrente, quebrei todas de uma vez e saí correndo loucamente agarrando toda a liberdade que eu podia. Eu passei tanto tempo me importando com o que pensavam de mim, em quem eu deveria ser (e não quem eu era) que descobrir uma pequena parte de meu ser como eu realmente era me fez transformar todas as condições. De repente eu não ligava mais para ninguém, de repente não me importava com o que pensavam de mim, de repente tudo, finalmente, parecia fluir com tanta naturalidade que eu não conseguia entender os obstáculos que todos colocavam a minha volta. Foi uma época tão boa quanto ruim e de todas as coisas que eu aprendi, acho que a maior delas foi me aceitar. Como já disse, é muito difícil gostar de quem você é, quando você é tudo menos o que as pessoas a sua volta querem ou esperam. Meus pais tem vergonha de me apresentarem para qualquer pessoa como sendo filha deles, e não são só eles que tem vergonha de dizer que me conhecem... Mas eu estou feliz de ser quem sou, de ter cabelo curto, usar as roupas que eu uso e falar do jeito que eu falo.

Mas é difícil ter que se afirmar a todo o instante, e continuar dizendo para as pessoas que você é assim mesmo e que não vai mudar para o que elas esperam ou querem. As pessoas se incomodam de mais com a vida alheia, isso me irrita. De qualquer jeito, quando penso que sai de uma coisa confusa e sem definição para o que eu sou agora, me sinto muito feliz, por mais que eu ainda tenha MUITOS problemas, fico muito aliviada desse ser um a menos.

domingo, 20 de novembro de 2011

Clarisse e seu monstrinho - Um conto sobre abuso sexual infantil


O monstrinho crescia em suas entranhas, ela sentia, se alimentando de suas energias, ocupando seu corpo lentamente, ela sabia. Em quanto tempo sua barriga ficaria mais evidente? Um mês? Dois? Não mais do que isso. 13 anos, grávida pela segunda vez, ar irritado, infantil, doloroso, fechado. Clarisse olhou para as bonecas estendidas em sua cama, precisava matá-las todas. As roupas dos infantis corpos de plástico foram arrancadas e rasgadas pelas mãos trêmulas de raiva da menina, olhos frios e distantes. Com a ponta de um compasso Clarisse perfurou seus corpinhos, ela as amava todas. Clarisse de repente pensou sorrindo, tinha que fazer isso porque elas eram más, precisava ensiná-las porque as amava. As coisas eram assim, estava tudo perfeito.

Depois de matar suas filhas, Clarisse socou a própria barriga; ofegante, caminhou até a parede cor de rosa de seu quarto e bateu a cabeça contra a mesma com toda a força que tinha. E tudo se apagou. A pequena menina por um instante glorioso pensou ter morrido, mas quando abriu os olhos não havia luz,ou anjos, ou qualquer uma dessas coisas bonitas que se conta que as pessoas boas encontram quando morrerem. Não... Clarisse virou o rosto encarando a parede que a pouco a tinha feito desmaiar, seus olhos eram tão terrivelmente indiferentes que ninguém desconfiaria que havia um homem sobre ela, que havia aproveitado o desmaio da menina para colocá-la sobre a cama e fazer o que os homens fazem. Clarisse não ouvia o gemer grotesco do homem sobre ela, ela observava do teto aquela menininha que não era ela na cama com uma certa pena e indiferença, Clarisse estava feliz que não era ela. Clarisse tinha esse poder as vezes, de sobrevoar a vida e ficar observando os acontecimentos lá embaixo. Nesses momentos ela imaginava que era um anjo ou uma fada, ou que Peter Pan havia lhe ensinado a voar. Tudo isso era segredo, claro, ela não podia contar para ninguém seus poderes mágicos, se não eles desapareceriam. Clarisse gostava de voar, mas não gostava de olhar para baixo, não por causa da altura, mas porque as coisas que aconteciam na terra lá embaixo era muito feias para serem observadas, ela se sentia culpada por invadir a vida dos outros daquela maneira, ela não queria saber o que acontecia com aquela menina lá embaixo, não era da conta dela. É feio se intrometer na vida dos outros, mamãe sempre dizia.

Clarisse sorriu quando o homem saiu de cima dela e a cobriu com a coberta, a menina estendeu os braços para abraçá-lo e receber um beijo de boa noite e tudo estava terminado. Clarisse percebeu porque quando havia aberto os olhos não tinha visto luz nenhuma, nem anjos, nem nada disso. Ela era má, era muito má... Por isso ela não iria para o céu e quando abrisse os olhos nunca veria algo parecido com isso. Clarisse iria para o inferno.

O homem parou junto a porta por um instante. Boa noite pai, disse a menina, puxando as cobertas sobre a cabeça. Boa noite. Papai voltou junto a cama da menina e fez um carinho em sua cabeça, Clarisse sentiu os músculos de seu corpo se retraírem de medo mas continuou dizendo para si mesma que estava tudo bem. Papai gosta de fazer carinho, sorriu ela olhando para um ponto distante, mas papai não vai gostar quando descobrir que sua filhinha está grávida de novo, Clarisse faz tudo errado, ela é uma péssima filha, todos sabem disso, pensou ela consigo sentindo os dedos grossos do homem percorrendo seu corpo e parando no lugar de sempre. As vezes aqui embaixo fica tão dolorido que fica difícil andar, mas ela merece isso. Ela é uma péssima filha. Clarisse olhou para baixo enquanto flutuava no teto, aquele menina era uma menina horrível, olhe só para ela, tirando a calcinha e deixando que aquele homem entrasse nela de todos os jeitos possíveis. Havia uma palavra para isso, Clarisse tentava lembrar, pros...ti...tu...ta. Seus amiguinhos na escola as vezes a chamavam assim. Mas se eles vissem essa menina, eles parariam de chamar Clarisse disso e passariam a chamar essa menina, ela é muito pior do que ela.

Clarisse olhou para a própria barriga, tentando pensar em um jeito de tirar aquele monstro de dentro de si. Seu quarto era tão rosa que as vezes lhe dava náusea. Caminhou até a janela se debruçando sobre a mesma, dois andares, o vento estava bom, está na hora de flutuar para fora daquele quarto sufocante e ficar olhando aquela menina terrível, Clarisse queria ver outras coisas, coisas bonitas. Vou procurar minha amiga que um dia decidiu sair voando janela afora também, vou encontrá-la flutuando por aí. Talvez um pouco mais longe da superfície e mais próxima do céu, meu monstrinho deixe de ser um monstrinho. Clarisse o amava de certa forma, apesar de tudo. Foi só quando sua cabeça alcançou o chão frio de concreto que ela se lembrou que iria para o inferno.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

E agora doutor?


E agora doutor? Você disse que ela iria melhorar, você disse que para tudo existe tratamento, e agora doutor? Doutor, ela não responde ao tratamento, não está vendo? E agora? Doutor, você diz que ela não está sendo ela mesma, você diz que o cérebro dela está doente, você continua dizendo que ela irá melhorar, a cada dose aumentada, a cada novo remédio introduzido. Doutor... Você está errado, o cérebro dela não está doente, o cérebro dela É doente, doutor ela não está fazendo outra coisa se não sendo ela mesma o tempo inteiro, você não entende doutor, o senhor só fala de sintomas e sintomas, ela é um sintoma vivo, ela não sofre da doença, ela É a doença. Existe um remédio que me cure de mim mesma?

Aos poucos entendo que não existe saída, que não há como eu fugir de mim mesma, que eu estou o tempo inteiro sendo treinada para ser tudo menos eu e que isso não vai dar certo. Eu sou totalmente errada, eu penso errado, eu sinto errado, eu ajo errado, eu sei de tudo isso, mas... O que eu posso fazer? Me diga por favor, o que eu tenho que fazer para não ser assim. Me diga os dez passos, os vinte passos, qualquer coisa... Para que respirar pare de doer, para que eu consiga sobreviver a essa porra de mundo, a essa porra de vida, essa porra tudo, sem me destruir. Estamos no limite, onde eu vou parar? Doutor quanto tempo ainda vai demorar para que o senhor perceba que eu não tenho jeito? Doutora, é impressão minha ou você já está desistindo de mim? (E o pior de tudo é que tudo o que eu vejo pode ser simplesmente invenção da minha cabeça)

As vezes tenho vontade de jogar todos esses remédios na sua cara, todos os que eu já tomei, tomo e vou tomar, ou melhor, as vezes tenho vontade de engoli-los todos de uma vez, quem sabe assim eu mato o monstro que tenho em mim. Da mesma forma que veio vai embora, não é doutor? Estou esperando ir embora, estou esperando até hoje ir embora, você sabe muito bem que isso não vai embora, você deveria parar de mentir para mim e tentar falar todas essas palavras ridículas de consolo. Você sabe muito bem que eu sou um fiasco, um caso perdido, uma defeituosa, não precisa falar comigo como se eu ainda tivesse jeito, como se estivesse tudo bem. Não está tudo bem, todo mundo sabe que não está tudo bem, até eu, com minha capacidade de auto-percepção reduzida ao mínimo já entendi que eu não estou bem. Eu só quero que você seja sincera comigo, principalmente agora que estou tão confusa que não percebo mais nada, não tenho crítica nenhuma, eu preciso que você me diga. Quem sou eu? O que há de errado comigo? Você realmente acredita que algum remédio um dia vai me ajudar do jeito que deveria? Doutor... Eu não aguento mais. Tenho vontade de rir quando você fala que pensar em se matar faz parte do meu transtorno, o caso é, o que em mim NÃO faz parte do meu transtorno? E realmente... É um grande consolo saber que pensar em me matar, ver coisas, ataques de pânico, ataques de raiva, humor inconstante, irritabilidade, tendência ao isolamento social, sensação de estar sendo perseguida, ouvir coisas, sentir coisas e todas essas merdas sejam comuns no meu transtorno. Isso não faz eu me sentir melhor, caso você não tenha percebido, só faz eu me sentir cada vez mais doida.

Eu estou cansada doutor... Estou cansada de remédios, cansada de terapia e treinamento para conviver socialmente e essas merdas todas, estou cansada dessa dor no peito, minha cabeça latejante, minha inconstância, meu ódio e amor extremos, meu medo, meus cortes e meu sangue escorrendo pelos meus braços e alma. As vezes... Depois de um ataque de alguma coisa, depois de eu passar a fase do "não aconteceu nada, está tudo bem", eu paro e simplesmente penso que não há saída, eu vou acabar internada, eu sinto... Isso dói, é como se eu já estivesse morta, ser internada, por mais que meu médico e minha psicóloga me digam que não, para mim é como se o mundo tivesse desistido de mim, como se eu tivesse sido taxada de incapaz de viver socialmente, um perigo por existir, etc... Eu consigo viver socialmente, muito bem até, é só que o mundo é espinhoso de mais para mim, eu não causo mau a ninguém diretamente, mas me destruir é um vício e me destruindo eu machuco todos a minha volta. No fim da na mesma, sair cortando o próprio corpo, vendo coisas, chorando e gritando pra todo o lado não é exatamente o modelo de cidadão normal. Eu não acredito em mim mesma. Não... Já passei dessa época, ou melhor, nunca passei por essa época... Mas eu quero tanto que as pessoas a minha volta acreditem em mim, eu preciso tanto, quero dizer, acreditar de verdade... Não quero ser abandonada de novo, não quero ouvir mais nenhum "eu não aguento ficar ao seu lado, me desculpe, eu fiz de tudo, mas você não tem jeito", eu não quero. É injusto eu querer isso, eu sei que é. Se nem eu aguento viver em meu próprio corpo, como posso esperar que alguém consiga conviver comigo durante muito tempo ou "para sempre"? Mas eu quero mesmo assim... E bom, se para isso eu tiver que viver dopada, eu vou continuar dando o meu melhor, estou cansada, muito cansada, mas não há outra alternativa (se não me matar), ainda não cheguei ao ponto de me matar de verdade, ainda não. Vamos lá... 900mg dessa vez, mais 300, mais 50...

domingo, 13 de novembro de 2011

Não sentir


Se existisse um sentimento atrelado à não capacidade de sentir seria o desespero, a dor, a angustia. Mas não existe. E não há nada pior no mundo do que a ausência, a vida é cercada por sensações, sentimentos, imagens, sons e cheiros, ser privado dessas coisas é enlouquecedor. A verdade é que eu não faço ideia do que está acontecendo comigo, me sinto telespectadora, me sinto sendo jogada de um lado para o outro como se estivesse sido engolida por uma tempestade. E ao mesmo tempo que sinto isso, não sinto. Me sinto terrivelmente perdida entre meus extremos, e ao mesmo tempo, não acredito estar mau, me sinto desconfortável, porém minha cabeça me diz que isso está certo, que se sentir e agir dessa forma está certo. Eu sou assim, é assim que as coisas são. É mais do que conformismo, é uma certeza tirada do bolso, um sentimento de unidade dividida e incerta, mas ainda assim, uma unidade. Isso não é bom, nada que vem de minha cabeça é bom.

E então de repente eu sou uma psicopata incapaz de sentir ou conhecer qualquer sentimento, puramente racional, friamente racional. E então de repente eu sou emoção pura, essência, uma confusão absurda de todos os sentimentos do mundo, em todas as suas intensidades. As vezes tenho vontade de pedir para que as pessoas me machuquem, acho que mereço isso, mas quando elas me machucam, eu me encolho em um canto me fazendo de vítima, esperando não sei o que, talvez um olhar de piedade, uma mão afagando minha cabeça (nem que essa mão seja a mesma que tenha me machucado, principalmente se a mão for a mesma). Tudo não passa de um circo inútil, mas para mim, fazer parte desse circo talvez tenha um sentido, talvez eu simplesmente não tenha escolha, talvez eu seja preguiçosa de mais, talvez eu esteja pagando por algo que eu fiz, talvez a vida seja só, simplesmente, injusta. De um jeito ou de outro, estou em meio a essa confusão que eu sou, que fizeram de mim e há muito tempo não exergo saída nenhuma. O que eu mais queria na vida é ser a porra de uma pessoa normal, quanto mais as doses dos meus remédios vão ter que aumentar para que eu pareça normal? Para que eu consiga enganar decentemente as pessoas a minha volta quanto a minha sanidade?

Talvez infinitamente, talvez eu seja internada, talvez tirem de mim minha faculdade, minha vida, minhas esperanças, talvez eu esteja perto de ser carimbada como incapaz, um perigo para mim mesma (e para as pessoas que se importam se eu vivo ou morro). Hoje minha mãe me lembrou de uma das minhas crises, notei que, apesar de lembrar da raiva que eu senti naquela época, eu dificilmente lembro de meus atos, nunca lembro que costumo atirar as coisas longe quando estou descontrolada por exemplo, nunca lembro direito do que falo também, ou como eu falo. E não faço ideia de como as pessoas me veem em um momento desse, como será que eu pareço quando estou vendo coisas? Será que minha cara me denuncia? Será que pareço louca? E quando estou descontrolada? Quando estou com medo, dor ou quando acabei de me cortar? Minha mãe tem medo de mim acho, ou pena, sei lá. Por isso ela me trata como retardada as vezes. Não posso culpá-la... Deve ser triste ter uma filha como eu, que as vezes parece ter o cérebro derretido de tanta pane que dá.

Tenho pena do meu gato, que tem que aguentar minha inconstância todo o dia, tenho medo que eles cresça traumatizado, ele só tem dois meses, é um bebê ainda. Percebi que é um perigo me deixar responsável por alguém mais fraco do que eu, tenho tanta vontade de abraçá-lo, quanto de machucá-lo de alguma forma. Sorte que ainda não estou descontrolada ao ponto de fazer isso. É nessas horas também que eu me pergunto quem eu sou, ou melhor, quem eu seria se não fosse todos esses remédios me controlando. Isso me assusta e por mais que seja ruim ir em um psiquiatra todo o mês para ouvir quase sempre as mesmas coisas, me sentir uma cobaia viva da indústria farmacêutica e uma retardada por não conseguir nunca alcançar a estabilidade não importa quantas e em quais quantidades de drogas me derem... Com certeza isso é melhor do que não ter apoio nenhum, eu deveria abaixar minha cabeça e agradecer, eu sei que deveria. Mas como todo o ser humano, eu nunca vou estar plenamente satisfeita com minha condição, o que eu posso fazer? Mais deprimente do que ser taxada como incapaz, é se perceber como tal.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Não há base alguma que torne possível o mais tenro equilíbrio


Me sinto perdida, nesse momento duas mulheres fazem café enquanto conversam e eu aqui, me perguntando se estou viva. Sinto que algo vai mau, minha psicóloga me diz que algo vai mau, porém não sei dizer onde, como ou porque, me sinto anestesiada, não consigo sentir o que estou sentindo, não consigo perceber mais nada, se quer enxergar, não sei o que estou fazendo ou porque estou fazendo, meus braços, pernas e boca parecem ter vida própria, de repente me vejo em um lugar e não sei ao certo como cheguei ali ou porque eu estou ali, acho que até meu cérebro me abandonou.

Minha psicóloga pensa que é o estresse, eu me cobro de mais, porém não me sinto sobrecarregada, me sinto morta. Não consigo segurar minha vida, tudo passa diante de meus olhos como se eu não fizesse parte de nada. Não é mais questão de me salvar, é questão de me ressuscitar. Me sinto tão morta que nem a ideia de me atirar frente a um carro me anima. O que eu estou fazendo afinal? Toda essa indiferença... De novo algo morreu aqui dentro e eu não me lembro como me levantei em todas as outras vezes.

A vida continua, eu continuo, mas o que eu estou fazendo? Onde estou? Essa decididamente não sou eu, acho que morri e esqueceram de avisar meu corpo, houve um mau entendido, algo não vai bem e eu não sei dizer o que é. Sinto que quanto mais forte meu coração bate mais próxima da morte eu estou. Minha psicóloga faz um trato comigo, vamos melhorar, vamos nos esforçar mais, vamos. Eu concordo e por um instante tenho a ilusão de que é possível melhorar de novo, saindo de lá o peso de ser quem sou cai em minhas costas como uma sentença, e a única coisa que eu lembro da minha terapia é que o que eu tenho vai me acompanhar durante a vida inteira e que eu sempre vou precisar prestar o máximo de atenção possível em todos meus comportamentos e sintomas para tentar prevenir uma nova crise. Sempre. Eu preciso prestar atenção nos meus limites ridículos, preciso lembrar que tenho que me respeitar, me preservar e todas essas coisas ligadas a mim, preciso prestar atenção às pessoas a minha volta, porque qualquer movimento não pensado trás para mim consequências terríveis, preciso ir com calma, aceitar meu tempo, minha lerdeza e incapacidade de funcionar frente a problemas, preciso ficar longe de coisas afiadas, controlar minhas mãos, meu nervosismo e medo irracional de qualquer coisa, preciso, enfim... aprender a viver... mas eu simplesmente não consigo, eu sou burra de mais para lidar com a vida, sou fraca de mais, lerda de mais, sensível de mais.

A única coisa que eu posso dizer que sou boa é fingir que está tudo sob controle. Está tudo sob controle, é só uma peça do meu cérebro que foi arrancada e nunca mais encontrada. Só isso. Agora vivo sem base, parâmetro ou equilíbrio, se é que se pode chamar isso de vida.

Para uma menina


Toda vez que te vejo desfilando pelo prédio, pelas escadas, elevadores e corredores, sinto um aperto desconcertante em meu peito. Dez, onze anos, pernas finas descobertas, ainda sem vestígio nenhum de seio, rosto fortemente maquiado, salto alto, olhos grandes de criança, olhar enigmático, passado intragável, presente incerto. O que fizeram com você menina?

Lembro de seus seis, sete anos, a menininha esquisita, dada, de irmão gago e problemático, olhar malicioso desde aquela época, fala rápida e nervosa, esquisita. O que fizeram com você? Os boatos sempre me assustaram, fizeram com que eu sentisse repulsa por você, repetisse para mim mesma que não era verdade e pior, se fosse, significava que você não valia nada, que a culpa era sua... Uma criança, eu também, uma criança.

Veja como são as coisas, negar você é negar a mim mesma, te culpar é me culpar. Sinto como se, de certa forma, sua pequena vida nada inocente, fosse uma continuação da minha, uma continuação talvez pior, talvez "melhor", não sei dizer. De um jeito ou de outro, indiscutivelmente, sinto em seus olhos o inferno que você vive, ou melhor, eu o reconheço. E só por essa sensação existir, esse reconhecimento, já me faz querer te arrancar daquelas garras, mãos, corpos, limpar a maquiagem de seu rosto e te dar uma boneca, te dar uma infância que você nunca pareceu ter, uma chance para sair da escuridão, ver o sol, brincar e todas essas coisas. O que fizeram com você menina?

Eu rezo todos os dias para um deus que eu não acredito, para que alguém te salve, para que sua vida esteja melhor hoje do que estava naquela época. Nós guardamos os segredos ruins em um lugar distante de nossa consciência, para que eles não nos destrua. Eu rezo para que daqui a alguns anos, quando o segredo se tornar pesado e insuportável de mais, você não apareça com cicatrizes em seus pulsos e braços. Ou melhor, rezo para que os boatos sejam só boatos e que seus olhos tristes, profundos e assustadores sejam só algo da minha cabeça.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

19 anos - O que eu ainda não aprendi


Esse ano eu não aprendi a valorizar minhas melhoras, por que a cada dia melhor, mais perto eu estou de uma nova crise. Esse ano eu não aprendi a confiar nas pessoas, porque confiar significa ser traída em algum momento, também não aprendi a falar, porque falar significa ser mau interpretada, significa fazer o outro sofrer, despedaçar seu coração e tantas outras coisas. Nesse meu décimo nono aniversário eu ainda não aprendi a pedir ajuda, a me respeitar, me valorizar e me perdoar. Ainda não aprendi a encarar meus medos, admitir meus erros e deixar no passado o que é passado. Ainda não suporto a ideia de ficar sozinha, de ser criticada, de ter minhas feridas expostas (mesmo que isso seja necessário para curá-las) e de existir. Nesse meu aniversário ainda não aprendi a caminhar sozinha, a controlar meus nervos, meus braços, meus dedos. Minha coleção de cicatrizes continuam aumentando lenta ou rapidamente, não importa. E eu continuo sendo eu, com todos os defeitos, dúvidas e confusões.

Até hoje eu não digo tudo, eu nunca digo tudo. Ainda não aprendi que a perfeição não existe e que eu não devo procurá-la, não aprendi a amar o mundo ou a vida (apesar de eu amar algumas vidas ao meu redor), não aprendi a buscar mais soluções que eu já não buscasse antes, não aprendi a ficar mais forte, a suportar mais a dor ou o que quer que seja. Não reconheço meus limites, continuo sendo mal interpretada e tratada como objeto. Nesses 19 anos sinto como se fosse velha de mais para ser considerada adolescente e nova de mais para ser considerada adulta, há tantas coisas a serem aprendidas que já me sinto cansada. Desde o último ano, não sei dizer se as coisas pioraram ou melhoraram, tenho mais medo do amanhã hoje, do que tinha ano passado, tenho mais segurança quanto ao meu relacionamento hoje do que no ano passado, mas de um jeito ou de outro, sinto que a cada dia me descubro mais, quer seja isso bom ou ruim, mas poderia dizer também que a cada dia me perco mais, é questão de ponto de vista. Mas o fato é que a cada dia eu mergulho mais profundamente dentro de mim, hoje eu consigo voltar ao passado com menos medo, desespero ou dor, consigo me observar mais detalhadamente, entender meus sentimentos e atitudes, apesar de ainda não conseguir controlá-los muito bem.

Acredito que essa seja minha "grande evolução" esse ano, nada de confiar mais, aprender a ser mais sociável e todas essas babaquices, a cada dia eu desconfio mais das pessoas, para ser sincera, a cada dia elas me provam cada vez mais que eu tenho razão para me fechar e permanecer há uma distância segura. O que eu aprendi esse ano foi a me conhecer e, é verdade, a gostar mais das pessoas que ainda não me deixaram de lado, apesar de sentir que a grande maioria dessas ainda vão escorregar da minha vida como todas as outras. Na verdade isso é natural, o problema é que eu ainda não aprendi a lidar com isso de forma saudável. De um jeito ou de outro, tenho 19 anos e continuo sendo uma garotinha chorona, ainda há muitos anos pela frente para me provarem que eu estou errada.

Existir por existir - o deus e o demônio que habita em todos nós


A vida passa diante de seus olhos, escorrega pelo seus dedos e abandona seus ouvidos. O que eu estou fazendo? Não sei, ninguém sabe. Aos olhos alheios tudo parece fazer sentido ou ter um propósito, aos meus tudo não passa de idiotices. Mas para esses idiotas, a ilusão de felicidade os satisfaz, enquanto para mim a realidade dura e fria ao invés de abrir meus olhos parece me tornar mais cega que a pessoa mais cega da face da Terra. Quem é o idiota afinal? É nesses momentos que entendo porque o não questionar e o conformismo são louvados como fé e humildade, porque a fraqueza é louvada como força e porque o mundo inteiro é um avesso contraditório.

Existir só por existir, sem grandes motivos, "missões" de vida ou sei lá o que, tem sua bênção e sua maldição por trás, não me sinto mais vigiada por um ser invisível e todo poderoso, não me sinto devedora de nada, não tenho mais vergonha e medo de ser quem sou, porém, agora, quem vigia meus passos sou eu mesma, o peso da culpa e dívida repousa sobre mim, como se ao invés de ser escrava de um deus, eu tivesse me tornado escrava da minha própria mente. Não há ninguém mais que eu possa culpar pelo que me acontece na vida se não eu mesma, não há ninguém mais que eu possa pedir por dias melhores se não para meu próprio esforço e atitudes. Tudo isso, apesar de me soar como uma existência mais sincera e realista, me pesa, me torna solitária.

Mas eu escolhi viver assim,prefiro ser meu próprio demônio e salvação do que sentar e esperar tudo cair do céu, ter a ingenuidade de culpar um ser invisível pelas meus erros, azares e desencontros. Acredito que isso seja ser livre. Liberdade não é fazer o que se quer, mas assumir a responsabilidade pelas suas escolhas e atitudes, liberdade é mais do que correr sem nunca encontrar um muro a frente, é poder e ter forças suficiente para derrubá-los. Espero um dia ser realmente livre.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Para onde as verdades sejam opostas


Vamos fugir? Viver de ar em um mundo inexistente, acordar sorrindo para uma vida sem propósito (e por isso mesmo maravilhosa). Vamos fugir, vamos, viver em uma realidade de sonho, onde respeito e aceitação dá em árvore, onde crianças são felizes e lâmpadas permanecem no teto. Vamos fugir para onde cada pessoa tenha a capacidade de cuidar da sua vida, onde não exista medo que não seja só os dois segundos de susto que a pessoa que te ama te deu para rir um pouco. Vamos fugir, vamos! Para onde não exista adultos nem regras sem sentido, para onde o amor não venha em forma de socos, chutes, tapas e abusos quaisquer. Vamos fugir para onde crianças possam ser crianças, para onde becos e lugares onde coisas ruins acontecessem não existam.

Não solte nunca minha mão, me tire daqui, me salve. O mundo sempre me pareceu tão hostil, vamos fechar os olhos por um instante e esquecer que vivemos o que vivemos, que somos quem somos, as lágrimas que choramos, as acusações e dedos apontados em nossa direção, vamos esquecer por um instante os gritos e de todos os nomes que já fomos chamadas, todas as coisas ruins que ouvimos, os olhares duros e infinitos julgamentos. Vamos esquecer o futuro também e os obstáculos intermináveis. Vamos fugir, vamos! Por um dia ou dois, um mês, um ano, para sempre. Um segundo. Para onde nada exista e as verdades sejam opostas.

Me deixe viver por um instante uma vida onde tudo se encaixe perfeitamente, onde meu maior problema seja qualquer coisa fútil e ridícula, onde eu invente inimigos e problemas e os desinvente quando bem entender. Me deixe viver um dia sem cicatrizes, sem choro, sem medo, desespero ou dor. Me deixe por um instante entender tudo, costurar meu coração como se nada nunca tivesse acontecido e esquecer que as lâminas são mais minhas amigas do que muita gente.

Vamos fugir vamos. Para onde você seja feliz e eu não seja quem sou, para onde você não tenha medo e eu consiga fazer todas as coisas que você me faz sentir. Vamos fugir vamos, para onde o tempo não exista, para onde lâmpadas permaneçam no teto e crianças sejam crianças. Vamos fugir?